História de Zeca Dirceu – via 247 - O novo tarifaço imposto pelo governo de Donald Trump, que voltou à presidência dos EUA em 2025, atinge em cheio o café brasileiro: a alíquota sobre o produto subiu para 50%. A medida faz parte de um pacote mais amplo de retaliações comerciais que também atinge laranja, madeira, minério de ferro e até aeronaves da Embraer.
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Embora represente um impacto imediato para a cadeia exportadora, essa tarifa pode ser o empurrão histórico que faltava para o Brasil romper com a dependência da exportação de matéria-prima e avançar na industrialização do café.
Somos o maior produtor e exportador mundial de café, com cerca de 40% da safra global. Só em 2024, exportamos mais de US$ 9 bilhões em café, segundo o Cecafé (Conselho de Exportadores de Café do Brasil). Mas mais de 90% desse valor veio do café verde (in natura). Isso significa que exportamos volume, mas não valor. A maior parte do lucro fica com países industrializados que compram o grão cru, o transformam em produto final — cápsulas, cafés especiais, pacotes gourmet — e revendem com valor agregado até 15 vezes maior.
Enquanto o Brasil exporta café verde a cerca de US$ 3/kg, os produtos industrializados podem chegar a US$ 50/kg nos mercados premium, segundo a Organização Internacional do Café (OIC). A Suíça, por exemplo, que não planta café, lucra mais que o Brasil no setor por meio de marcas como a Nespresso/Nestlé.
O comércio mundial de café está concentrado nas mãos de poucas grandes empresas — um oligopsônio que dita preços, padrões e margens de lucro. Do outro lado, milhares de produtores brasileiros enfrentam os riscos do clima, da logística, da variação cambial e de uma carga tributária interna que penaliza a torrefação e a agregação de valor.
Para piorar, o país impõe barreiras burocráticas à exportação direta por pequenos produtores e não oferece apoio suficiente à criação de marcas brasileiras fortes.
O tarifaço de Trump, embora agressivo, escancara uma realidade que o Brasil precisa encarar: chegou a hora de industrializar o café nacionalmente. Já temos bons exemplos, como as marcas Três Corações, Orfeu, Café do Ponto, Suplicy Cafés e cooperativas como Cooxupé e Cocatrel, que produzem cafés gourmet e exportam com mais valor.
Além disso, a Apex-Brasil tem firmado acordos importantes com mercados consumidores na Europa, Japão e EUA, abrindo espaço para novos canais de distribuição de produtos finais.
É preciso transformar esses casos em política de Estado. Um Programa Nacional de Industrialização do Café, nos moldes de um “Pró-Café Industrial”, poderia incluir:
• Incentivos fiscais e tributários para torrefação, encapsulamento e empacotamento no Brasil;
• Linhas de crédito do BNDES e da Finep específicas para a cadeia do café industrializado;
• Investimentos em e-commerce internacional, rastreabilidade, certificações ESG e promoção de marcas brasileiras no exterior;
• Parcerias com cafeterias globais interessadas em operar com grãos brasileiros processados no país.
O mundo já não busca apenas sabor: quer sustentabilidade, rastreabilidade, práticas sociais justas e inovação. O café brasileiro, com sua diversidade de regiões, variedades e histórias, pode liderar esse movimento — desde que também controle a industrialização e a comercialização.
O café não está sozinho. Outros produtos brasileiros foram igualmente taxados pela nova política protecionista dos EUA: suco de laranja concentrado, aviões da Embraer, minério de ferro e madeiras tropicais também enfrentam aumentos tarifários de até 50%. A mensagem é clara: quem vende só matéria-prima, está vulnerável.
O momento exige uma reação coordenada do setor público e privado. A industrialização do café pode ser o primeiro passo de uma transformação mais ampla: sair da condição de fornecedor de commodities para o mundo e assumir o papel de nação produtora, exportadora e competitiva de bens com valor agregado.
O Brasil precisa parar de apenas colher. Está na hora de também torrar, embalar, vender e liderar o mercado global de café — com marca, qualidade e inteligência comercial.