12.12.14
Fonte: Tribuna da Imprensa - Por RICARDO KOTSCHO - Via Balaio do Kotscho -
Depois de 2 anos e 7 meses de trabalho, o maior mérito do relatório final da Comissão Nacional da Verdade, entregue nesta quarta-feira à presidente Dilma Rousseff, foi o de ter sido divulgado agora, exatamente no momento em que neogolpistas e viúvas da ditadura militar estão se assanhando nas ruas e nas redes sociais, querendo trazer de volta um período de triste memória, esta página de vergonha da nossa História, que está na hora de ser virada.
Alguns leitores, editores e amigos estranharam que eu não tivesse tratado mais deste tema aqui no Balaio, mas tenho mesmo uma grande dificuldade para ficar remoendo um passado de sofrimento, tanto na vida do país como na minha vida familiar, que gostaria de sepultar na lembrança, para poder me ocupar melhor do presente e do futuro.
Tanto por parte de pai como de mãe, sou filho de famílias que foram perseguidas nos seus países de origem, na Europa, sobreviveram às atrocidades das duas grandes guerras mundiais e vieram parar aqui no Brasil em busca de paz.
Sou o primeiro brasileiro da família, nascido apenas duas semanas após meus pais desembarcarem de um navio de refugiados no porto de Santos, e tenho muito orgulho disso. Na minha infância, em casa, os mais velhos evitavam falar dos tempos de guerra para evitar que os sofrimentos deles passassem para os filhos e netos.
Por isso, ao escrever meu livro de memórias, Do Golpe ao Planalto, em meados da década passada, tive muita dificuldade para resgatar minhas origens familiares, cavoucando documentos e cartas amarelecidos pelo tempo que meus pais guardaram, mas nunca haviam me mostrado.
Até hoje, evito lembrar da morte de meu pai, muito jovem, quando eu tinha 12 anos. Lido muito mal com estas lembranças e entendo perfeitamente o choro da presidente Dilma neste trecho do seu discurso no Palácio do Planalto, ao receber o relatório histórico:
"Afirmei que o Brasil merecia a verdade, que as novas gerações mereciam a verdade, e, sobretudo, mereciam a verdade aqueles que perderam familiares, parentes, amigos, companheiros e que continuam sofrendo como se eles morressem de novo, e sempre, a cada dia".
É exatamente isto que sinto quando me pedem para relembrar, em repetidas entrevistas para documentários e trabalhos acadêmicos, os tempos do golpe cívico-militar-midiático de 1964, que este ano completou 50 anos, o mesmo tempo que tenho de jornalismo.
Sim, o Brasil merecia a verdade, cara presidente Dilma, e agora a temos por inteira, com a identificação dos responsáveis pelas atrocidades cometidas e a descrição da cadeia de comando de uma política de Estado, a começar pelos cinco generais-presidentes (Castelo, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo), como eram chamados os ditadores naquele tempo, todos já mortos.
Cabe agora a nós, sobreviventes, cuidarmos do presente e olharmos para o futuro, sem revanchismos nem ódios, mas também sem medo de enfrentar os inimigos da democracia, que continuam à espreita, esperando só uma chance de voltar ao poder.
Pena que tenhamos demorado tanto para enfrentar o que outros países, que enfrentaram a mesma tragédia, já resolveram há muito tempo. Antes tarde do que nunca, Dilma em boa hora criou a coragem que os presidentes civis que a antecederam não tiveram para mandar investigar os crimes de lesa-humanidade aqui perpetrados e nominar 377 pessoas como responsáveis por eles.
Devemos isso ao trabalho incansável, do qual sou testemunha, de seis brasileiros da melhor qualidade humana e honradez profissional, cujos nomes devemos guardar para sempre: Pedro Dallari, José Carlos Dias, José Paulo Cavalcanti Filho, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro e Rosa Maria Cardoso da Cunha