Via 247 - Publicado em: 1 de outubro de 2023, 13:45 - Foto ilustrativa - Divulgação/Internet - Veja na íntegra este interessante ponto de vista sobre a decisão do STF que vetou por 9 votos a 2, o marco temporal...
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 9 votos a 2, que o chamado marco temporal é inconstitucional. Segundo a tese jurídica agora derrotada por aquela corte, os povos indígenas teriam direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.
Agora, estes povos podem, em tese, reivindicar qualquer área
A decisão, ao atender ao clamor legítimo de descendentes dos povos originários por direitos de posse de áreas extensas do território nacional, cria potencialmente uma vasta gama de conflitos, indefinições e insegurança institucional.
A decisão do STF barra interesses de ruralistas que desejam impedir novas demarcações de terras indígenas ou mesmo desalojar povos indígenas de ocupações feitas depois de 1988. Como se vê, o tema coloca povos indígenas de um lado e agricultores e ruralistas de outro. O Brasil possui hoje 117,9 milhões de hectares ou 14% do território nacional demarcado como terras indígenas.
A decisão do STF disparou imediata e inusitada reação de parte do Senado. Este desengavetou e aprovou, projeto de lei oriundo da Câmara no sentido exatamente oposto, ou seja, estabelecendo que os povos indígenas só podem reivindicar territórios que ocupavam ou reivindicavam até 5 de outubro de 1988. O projeto foi aprovado do dia para a noite, sem modificações, adendos ou destaques para não permitir reexames.
Para entrar em vigor, até que venha a passar por novo exame de constitucionalidade do STF, a lei vai à sanção do presidente Lula, a quem caberá arbitrar entre interesses e pressões de representantes dos povos indígenas e do agronegócio.
Lula já deixou transparecer que vai vetar partes da lei, mas será necessária uma mescla de negociação e firmeza para que o governo não seja engolfado pela disputa de competências entre Legislativo e Judiciário nem pela chantagem de facções do Congresso para obter vantagens ou para desfigurar seu governo.
Colocado no foco de pressões antagônicas, caberá ao presidente engendrar uma solução de natureza política que implique o reconhecimento e a valorização tanto dos povos originários quanto do agronegócio. Não se podem massacrar os direitos dos indígenas no altar de um capitalismo ele sim selvagem e predador. Ao mesmo tempo, seria incoerência basal celebrar os recordes da produção nacional do campo brasileiro, levando a um superávit recorde de 90 bilhões de dólares na bala na balança comercial deste ano, e permitir debilitar as bases jurídicas, por vezes precárias, da propriedade da terra que sustentam a estabilidade desse setor bem-sucedido e estratégico para o país.
Caberá ao presidente Lula construir consensos dentro de parâmetros razoáveis que integrem e promovam os interesses dessas duas vertentes fundamentais numa convivência possível, superando estereótipos e demonizações que emperram o debate.
Desafiado pelo tema dos limites racionais ao capitalismo, também presente no debate relativo ao aquecimento global, o presidente Lula pode sair com solução ao seu estilo: entendimento e gradualismo como atitude, além de pacificação