Por Heba Ayyad, via Brasil 247 - O exército israelense continua com seus crimes contra a mídia, matando deliberada e repetidamente os correspondentes da Al Jazeera, Anas al-Sharif e Mohammed Qreiqea — fato que o próprio exército reconheceu em comunicado. Isso parece indicar que o exército israelense já não se importa em manter a imagem fabricada que construiu ao longo de muitos anos e divulgou ao mundo, afirmando ser o “exército mais moral”. Isso, apesar de nunca ter deixado de usar o que chama de “arma assassina” contra políticos e figuras da mídia, além de matar civis desarmados, mesmo em tempos de não guerra.
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O ataque a Al-Sharif e Qreiqea não foi inesperado, visto que, nos últimos meses, eles atuaram como os olhos e ouvidos do mundo para a fome que o povo de Gaza enfrentava e para as atrocidades cometidas pelo exército israelense. Eles desempenharam seu papel com rara coragem, sem se importar com nada além de expor os crimes da ocupação e transmitir as vozes do povo sitiado e enlutado de Gaza.
Talvez a carta deixada por Al-Sharif, que continha seu testamento, revele que ele antecipava e aguardava seu martírio. Também mostra o quanto ele e seu companheiro estavam cientes de que representavam uma grave preocupação para o governo israelense e seu exército, dado seu notável profissionalismo e os riscos que corriam ao transmitir a verdadeira realidade em um momento em que Israel fazia tudo ao seu alcance para obscurecer o que estava acontecendo.
Talvez a prova disso seja o fato de que os dois jornalistas assassinados recebiam ameaças constantes do exército israelense, e a mídia de Tel Aviv frequentemente os mencionava como uma plataforma viva, ativa e eficaz para expor as ações desse exército.
Não é só isso: também encontramos a mão da censura militar se estendendo aos próprios israelenses que publicaram, em seus smartphones, clipes na internet, às vezes acompanhados de comentários ou narrações sobre quaisquer perdas sofridas em Israel durante os primeiros meses da guerra e durante os bombardeios iranianos a cidades israelenses. Hoje, alguns criticam o sacrifício de prisioneiros por Netanyahu ou sua insistência em retomar a invasão de Gaza.
Uma análise preliminar do martírio de Al-Sharif e Qreiqea indica que o exército israelense está se preparando para invadir e ocupar Gaza, como decidido pelo governo de Benjamin Netanyahu há alguns dias. Desta vez, atacará civis com extrema brutalidade e cometerá mais crimes do que antes. Isso ocorre em um momento em que vozes em Tel Aviv se levantam para afirmar que o exército israelense está em um estado de “fracasso desastroso” em Gaza. Alguns descrevem o ocorrido como uma derrota, enquanto extremistas dentro do governo insistem no deslocamento forçado da população de Gaza.
Além disso, de forma geral, Israel tem imposto um apagão midiático durante a guerra atual, mais intenso do que em conflitos anteriores, pelas seguintes razões:
- Ocultar as perdas militares israelenses para reduzir as críticas internas a elas e ao governo que as conduz.
- Continuar a praticar propaganda enganosa sobre o “exército moral”, conceito do qual Israel se beneficiou muito nas últimas décadas, utilizando-o para encobrir e obscurecer crimes cometidos contra civis, tanto durante a guerra quanto fora dela. Atualmente, as Forças Armadas israelenses, à beira de uma invasão terrestre à Cidade de Gaza, buscam ocultar os crimes que cometerão — matando pessoas e destruindo prédios — a fim de reduzir o nível de críticas dirigidas a seus líderes, soldados e ao governo que os respalda, em todo o mundo, inclusive por parte de apoiadores de Israel.
- Salvar o que resta da imagem do exército israelense como um “exército invencível” aos olhos daqueles que investiram nele e apostam nele nas administrações ocidentais. Isso é especialmente válido para aqueles que reconhecem que o exército representa o principal ponto de sustentação de um “Estado funcional”, sendo a ponta de lança militar e de segurança do projeto ocidental no Oriente Médio. Esse projeto visa convencer alguns países da região de que Israel pode ser uma fonte de proteção para eles e que não têm alternativa senão submeter-se, concordar ou cooperar com o país.
- Impedir a resistência palestina de fazer com que sua voz e suas ações sejam ouvidas em todo o mundo, já que se prevê que ela se envolverá em uma guerra de guerrilha mais feroz contra o exército invasor. Isso demonstrará ao público israelense que seu exército continua a enfraquecer, a adoecer ou a sofrer perdas constantes.
Por outro lado, isso elevará o moral dos combatentes da resistência e aumentará a confiança de sua base social, especialmente depois que ficar comprovado aos habitantes de Gaza que Israel busca apenas expulsá-los de suas terras.
Israel não havia atacado a mídia dessa forma em guerras anteriores, pois, desta vez, busca encobrir sua incompetência e seus crimes atuais: incompetência no campo de batalha e brutalidade no confronto com civis indefesos, por meio de assassinatos, fome e destruição.
No passado, Israel costumava abrir espaço para a expressão de seus sentimentos a fim de atingir certos objetivos, como impor uma equação dissuasiva a seus adversários, engajar-se em guerra psicológica contra eles e envolver forças nacionais na batalha. Isso era especialmente relevante considerando que o exército israelense depende fortemente de forças de reserva e mobiliza todos os recursos do Estado em torno de seus efetivos militares durante as guerras. Hoje, porém, não se preocupa mais com nada além de encobrir seus crimes.
Certamente, a duração prolongada da guerra contribuiu para que Israel atacasse a mídia dessa maneira durante o conflito atual — algo incomum, já que o país estava acostumado a guerras rápidas.
Isso levou seu exército a se envolver em uma “guerra de atrito” em Gaza. Nesse tipo de situação, as perdas se acumulam, aumentam, diminuem e voltam a crescer, tornando a realidade cada vez mais estressante para o exército israelense, para a sociedade e, acima de tudo, para o governo de Netanyahu. Cada vez que o exército israelense sofre uma perda militar, ele retalia contra civis e procura fazê-lo longe dos olhos e ouvidos da mídia.
O assassinato de Al-Sharif e Qreiqea por Israel, ao mesmo tempo que evidencia a intenção de ampliar o genocídio durante a invasão iminente, também ressalta a dificuldade da guerra que o país está travando atualmente.
Isso não é segredo para a resistência, nem para analistas militares e políticos. Talvez um dia o véu sobre o que foi ocultado seja levantado, quando a guerra terminar e começar o acerto de contas para Netanyahu, seus aliados e, de fato, para todo o projeto israelense, que perdeu muitos de seus apoiadores.
Al-Sharif e Qreiqea se juntaram aos seus companheiros mártires da imprensa e da mídia, mas, entre os palestinos em Gaza, há aqueles que, mais uma vez, carregarão a bandeira da verdade e exporão os crimes da ocupação.
De modo geral, desde o início da Intifada de Al-Aqsa, Israel tem se empenhado em silenciar qualquer voz que exponha a verdade sobre o “genocídio” que está cometendo. Por isso, já matou cerca de 200 jornalistas palestinos até agora, prendeu outros, fechou os escritórios de vários meios de comunicação árabes e impediu que suas equipes trabalhassem em Gaza, incluindo o canal libanês Al-Mayadeen e a própria Al Jazeera. Em seguida, fechou o escritório desta última em Ramallah e impôs restrições àqueles a quem permitiu atuar como correspondentes de guerra em campo. Fez o mesmo com os próprios israelenses locais, sejam eles os que aparecem em seus canais via satélite ou os que escrevem artigos, colunas, reportagens e análises em jornais, desde que transmitam conteúdos que o governo não aprova.